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Parece só futebol, mas é espelho

A Justiça Desportiva segue pela mesma trilha da Justiça Comum. E essa foi uma das minhas constatações a respeito desse caso envolvendo a Portuguesa, que – por enquanto – está levando a Lusa à série B no próximo ano: o futebol, cada vez mais profundamente, tem se transformado no reflexo e também no retrato de algumas mazelas sociais mais sérias que existem em nosso país. 

Com um tanto de exagero, Juca Kfouri diz: "O julgamento equivale a sentenciar quem furta um pão à prisão perpétua". 

É isso que penso do que aconteceu hoje. Portuguesa merecia ser condenada? Sim, pois escalou jogador de forma irregular. Mas não o fez para ganhar vantagem ou por má-fé. Não houve intencionalidade. Se cometeu homicídio, foi culposo, e não doloso. Ou seja, poderia ser condenada, mas a pena é desproporcional ao delito. Foi condenada à pena máxima de um campeonato de futebol, que é o rebaixamento, por ter colocado em campo por míseros 15 minutos, em um jogo que não valia nada, um jogador que deveria ter ficado em casa - e este jogador não fez coisíssima nenhuma em campo, o dano foi zero. 

É a cartilha da Justiça brasileira: se o réu veste fraque e cartola, alivia-se; se é pequeno, cadeia nele. Ou alguém ainda não sabe que o único condenado à prisão pelas manifestações dos últimos meses é um morador de rua? Centenas de detidos (injustamente!), grande parte deles da classe média universitária, apenas um foi condenado judicialmente à prisão até o momento. Só um. Pequeno, pobre, preto. Morador de rua.   

Voltando ao futebol, é um triste fim de ano para o esporte tão amado por todos nós. Vide as cenas da rodada final do campeonato brasileiro. Um ano, aliás, que começou com a morte de um torcedor na Bolívia, provocado por torcedores brasileiros. Um 2014 que registrou 30 mortes em decorrência de brigas de torcidas. E outras tantas na construção das mega arenas da Copa do Mundo (a última foi neste fim de semana, em Manaus).  

Há dez dias, quando da briga entre as torcidas de Vasco e Atlético, li muitas coisas, mas uma me despertou atenção de um modo mais profundo. depoimento-relato-desabafo-crítica de uma professora querida, que transcrevo: 

sempre amei futebol e esporte de um modo geral, mas especialmente futebol. Fui flamenguista daquelas bem viciadas mesmo, de fazer album, ir a treino, ir ao estádio, ter poster no quarto (...) De alguns anos pra cá, me desencantei. Não quero gastar minha emoção em algo que virou negócio e fanatismo maluco. Adoraria ter de novo aquela alegria dos vinte anos e mexer com meus amigos vascaínos e tricolores. Mas fico pensando como é possível fazer isso sem um amargor na boca. Por que é tudo tão violento e sem sentido. Os xingamentos são tão preconceituosos. A porrada nos estádios é pra matar. As imagens que vimos hoje foram tão chocantes. Mais do mesmo? Não vou me acostumar à violência gratuita. Não vou me acostumar à violência alguma. Adoraria estar no espírito do deboche, mas não vejo mais assim. Vejo uma grande e perversa doença. Vejo a paixão transformada em negócio e em sintoma de uma sociedade muito doente. Desculpem-me, adoraria poder brincar, mas tá pra brincadeira, não (...) Hoje  é triste, não pelo rebaixamento de time nenhum, mas por ver no que transformaram nossa paixão e nosso alegre deboche, nossa brincadeira, nossa bobeira de meninos... 

O texto passou de novo em minha cabeça hoje ao ver as cenas do tribunal. A pequena Lusa sendo destronada pela suposta tecnicidade de um tribunal que varia seus critérios de acordo com o tamanho do réu. O futebol como sintoma de uma sociedade muito doente 

Tem aquela velha máxima, já surrada, do Orwell: “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”. Sorriam tricolores, flamenguistas, corintianos, cruzeirenses, colorados... somos mais iguais que todos os (muitos) outros!  

Parece só futebol. Mas é espelho e é reflexo.

Jader Moraes

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